O que faltava no meu Google Calendar era Sábado 28 de janeiro, 19h00, Póvoa do Brolhão. Quando me falárom do evento, confundim Póvoa de Brolhão com Póvoa de São Julião. Corei de vergonha, mas o palpite era bom – bons livros e vergonha casam bem no meu astrolábio de agouros.
Vai-se de Lugo para a Póvoa pola estrada de Monforte. Em Bóveda vira-se à esquerda, seguindo sempre em frente o sossego dessa chaira. O campanário de uma igreja sobranceia as casas mais altas, que já querem trepar para a serra. O Saa e o Rubim descem em contramão, retalhando a vila em três bairros.
Avançamos por uma rua sem nome em Google Maps, de prédios à direita e prados à esquerda. Um estendal de roupa bloqueia a porta da funerária local. A Casa de Cultura, mesmo a seguir.
A 2º vergonha foi entrar no local e comprar o livro. Assistir ao lançamento do Cráter de Olga Novo na terra dela é ato de indiscreção – mas aginha esquivo o rubor, ao ler de esguelha a profecia da primeira página: sucumbirá o poder ó peso da levedade.
O brindeiro Pepe de Forgas, o alcaide e a professora Carme Blanco temperam gostosamente o ambiente. A poeta agradece os brindes e a organização de um ato que só poderá render em fermosura. Um amor sem orçamentos rebenta a sala – na 3º vergonha, cedo a cadeira aos mais velhos.
A mão de Olga levanta três pedras brancas; levantadas elas do muro da casa; levantadas que fôrom, por sua vez, dos muros das casas doutros vizinhos – a irmandade dos guímaros contagiada de casa em casa – pedra a pedra – sem eles notarem.
Três pedras dadas como troféu para três nenos poetas: Iago, Sheila, e Joel.
Do que se leu de Cráter, acorda-me que o genoma era uma rede de estradas secundárias que incomunicam a montanha com o val; acorda-me que se turra dos poemas como se turra por um bezerro; e acorda-me ainda que as vacas partem de cornas abertas para o horizonte.
Do que se falou, lembro a revolta dos guímaros contra o Conde de Lemos; lembro que a poesia é um buraco no coração – e lembro ainda ter lembrado a Maria Bethânia a dizer o mesmo do Chico Buarque: homem de buraco no coração – e véu-me então a 4º vergonha, a de andar com o próprio tão entupido de alcatrão.
Pepe de Forgas e a sanfona de Xosé Maceda desabotoam-nos as calças com A Gaita de Cristóvão – o hit local – e um brinde final ao lazer gozado em irmandade. A 5º vergonha é pedir que o livro seja assinado; a 6º, saber que alguns vizinhos não conseguiram comprar o Cráter, enquanto eu voltava para Lugo com este exemplar.
Este mesmo que agora, na estação Betanços-Infesta, não abro por medo de livro demasiado bom.
Mas o trem logo irrompe na ria do Burgo e desaguo na 6º vergonha – um trasacordo irreverente numa rua assimétrica: ceroulas e meias permanecem à porta da funerária, escarnecendo com levedade o poder solene da morte.
Boh.
O que faltava era este céu-corunha para lavar a vergonha nº 7 – a inconfessável. E por fim rompo a ler o livro. Por ruas de uma cidade entre dous mares. Sempre a contramão.