
Numa cervejaria da rua São Roque, uma boa amiga apanhou-me com o cliché na boca:
– É-che assim. É o que há.
Falávamos das agruras do país:
– Pois nem é assim nem é o que há. Tou cheia de ouvir esse queixume todo o dia.
A cerveja, o sumo e o petisco de salada russa avinagrárom com o automatismo do meu lugar-comum. A acidez no estômago repetiu-me o eterno ecoar dessa mesma retrónica no meu local de trabalho – depois de cada claustro, cada conversa de corredor, cada nova circular educativa.
– É-che assim. É o que há.
Esta mansidão é o que há; há esta pasmaceira do corpo docente.
Pasmaceira por perda de identidade: dado que migramos de trabalhadores para profissionais. Os salários por cima da média e outras regalias encofrárom-nos numa classe amorfa, a resguardo da precariedade doutros empregos. Assim desclassados, ficamos órfãos até da linguagem necessária para nomear os males que agora sim nos abeiram.
Pasmaceira por delegação: que promoveu o sindicalismo burocratizado. Os docentes desistimos de fazer sindicalismo e os profissionais do sindicalismo desistírom das salas de aula. O sindicato deixou de ser referente de luta e tornou-se num mero serviço, consultoria. Das mobilizações rotineiras somos informados polos meios de comunicação.
Pasmaceira por distração: as reivindicações privilegiaram o lado quantitativo do trabalho sobre o qualitativo. Salários, dias de licença e pontuações para concursos importárom mais que o controlo das decisões que atingem o ensino. O barco tinha de ser confortável – tanto dava o rumo que tomasse. Adoptamos o jeito de meros produtores.
Pasmaceira por mimetismo: a contestação foi frouxa e mimética de mobilizações noutros setores. Greves rituais de um único dia, num contexto de privatizações e ataque ao setor público, levárom a um simulacro de ação, se quadra pior do que a própria quietude. Os atos fôrom substituídos por atitudes, gestos inofensivos para o Poder.
Pois é assim, pois é o que há: esta rua sem saída para o ensino público. Vampiros que se apropriam dos recursos de todos, e nós que contestamos paralisando brevemente a produção, como se trabalhássemos uma fábrica de automóveis…Ou que achantamos com a perda de qualidade do nosso trabalho, dando argumentos àqueles que desejam esmagar o ensino público.
No dia 5 de maio, aqui em Lugo, a Associação José Afonso do Porto lembrou-nos que as revoluções começam em ruas sem saída.
Que venha então a formiga e que fure, fure, e fure bem no fundo deste carreiro: com sorte acharemos alguma migalha desse orgulho de trabalhadores capazes de transformarem – e não apenas de se instalarem – graças à força do seu trabalho.
O que nos levaria a um programa de protesto permanente, sem desistir da qualidade do serviço; não procurando apenas a melhoria das condições laborais, mas por cima de tudo a apropriação das ferramentas de trabalho por quem trabalha – a ocupação do próprio destino.
E ouçam já a salada russa, a cerveja e o sumo de ananás, cantarolando – Enquanto há força:
Nem é assim, nem é o que há, caramba!